“O ariá sempre foi plantado pelos nossos ancestrais, mas está se perdendo, assim como outros plantios de subsistência. Na minha aldeia, muitas pessoas não só deixaram de plantar o ariá como nem têm nem roçado; compram comida da cidade”, revelou o biólogo Alexandre Tyson Ferreira de Souza, 36, do povo Sateré-Mawé.
Mestrando em Ecologia, Alexandre lidera o resgate do ariá na aldeia Nova União, na Terra Indígena Andirá-Marau, localizada no município de Barreirinha, interior do Amazonas. A iniciativa foi inspirada no projeto “Diálogos científicos multiculturais sobre a sociobiodiversidade na Amazônia com potencial bioeconômico”, do Inpa.
O ariá tem uma alta adaptabilidade ao clima quente e é resistente a adversidades climáticas, sendo apontado pelos pesquisadores como uma alternativa de cultivo durante o período da seca na Amazônia, uma vez que seu período de colheita vai de julho a setembro.
Alexandre relembra que, em 2023, a seca arrasou boa parte da safra de hortaliças, macaxeira, banana e guaraná na aldeia Ponta Alegre, do povo Sateré-Mawé. Aproximadamente 760 moradores da comunidade, que fica na Terra Indígena Andirá-Marau, sofreram com a seca e enfrentaram a escassez de alimentos.
No Alto Rio Negro, o ariá também é uma das apostas de indígenas dos povos Bará, Tuyuka e Tukano para se tornar uma nova fonte de renda: eles estão desenvolvendo o caxiri (bebida indígena fermentada) de ariá.
“Isso amplia as nossas possibilidades e nos permite agregar valor a um alimento que era só para subsistência. O projeto nos ajudou a enxergar essas oportunidades de negócios sustentáveis”, disse Silvio Sanches Barreto, filósofo, mestre e doutor em Antropologia. Pesquisador e indígena do povo Bará, ele agora busca inserir o produto no mercado.
Em Manaus, o estudante Eli Minev-Benzecry, 17, se inspirou em memórias afetivas da avó para incluir o plantio do tubérculo em um projeto desenvolvido junto ao Instituto Federal do Amazonas (Ifam), em que transformou um campo de futebol em desuso em um Sistema Agroflorestal.
“Essa ideia surgiu de um projeto que iniciamos no nosso sítio. Minha avó falou: ‘planta ariá, que eu gosto muito’. Eu nem sabia o que era, mas plantamos e eu fiquei curioso em saber mais sobre aquela ‘batatinha’, que era tão comum no passado, e hoje é tão difícil de encontrar”, contou Eli, que também assina como um dos autores de um livro com curiosidades, informações científicas e históricas e memórias afetivas em torno deste tubérculo amazônico.
Alto poder nutricional
Natural das Américas do Sul e Central, o ariá é um alimento versátil na cozinha e tem um alto potencial nutricional. Assim como peixes, carnes, ovos, cogumelos e a tradicional mistura de arroz e feijão, o ariá está entre os alimentos que fornecem os nove aminoácidos essenciais para uma boa nutrição, fundamental para manter o bom funcionamento do corpo humano.
O tubérculo é classificado como fonte vegetal de proteína de alto valor biológico, daí sua importância histórica para os povos amazônicos: contém de minerais como ferro, potássio, magnésio, zinco, sódio, cálcio, manganês e fósforo, até vitaminas como a tiamina (vitamina B1), riboflavina (vitamina B2), niacina (vitamina B3) e ácido ascórbico (vitamina C).
Na culinária, o ariá é marcante por sua crocância e pela textura e, no cozimento do tubérculo, não há necessidade de acrescentar sal, sendo considerado um “sal vegetal” pelos povos do Alto Rio Negro. Pode ser consumido assado, em mingaus, na fabricação de bebidas, como o caxiri, ou em seu formato mais comum que é cozido.
“A gente já vê uma grande mudança no perfil de saúde dos parentes. Hoje temos pessoas diabéticas, com hipertensão e outras doenças por causa da má alimentação. O resgate do cultivo de culturas como o ariá pode ser o pontapé inicial para a reconstrução de uma estrutura alimentar mais saudável”, finaliza Alexandre.